Um livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive. (Padre Antônio Vieira)

sexta-feira, 30 de abril de 2010

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Razões da crítica

OSORIO, Luiz Camillo. Razões da crítica. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.


Introdução

O autor pretende por em discussão o papel e os lugares da crítica na atualidade. (p.7) Ele defende que a pluralidade como regra na arte contemporânea é razão maior para a necessidade da crítica e do juízo. (p.8)

O meio da arte é atravessado por hierarquias. Isso, segundo OSORIO, faz com que o artista limite sua poética dentro daquilo que o mercado e as instituições reconhecem e legitimam como válidas. (p. 8) Ocorre, dessa maneira, um reducionismo poético, modelos que se propagam e padronizam a criação. Para OSORIO, isso pede mais crítica. (p. 8) "O papel da crítica não é criar polêmica, mas procurar espaço para o confronto de idéias e a disseminação de sentidos para as obras de arte." (p. 9)

OSORIO defende a crítica procurando afastar seu sentido do de julgar e condenar ou enquadrar. (p. 9) Outro ponto de negação da crítica é a idéia de uma falsa liberdade. Porém, "não havendo mais nada a ser julgado, tudo é possível [...]". (p. .9) O autor defende a crítica contra esse reducionismo. (p.9) "Há que se julgar justamente porque não temos nenhuma certeza a priori sobre como uma obra cria sentido." (p. 9)

Pra discutir as razões da crítica, OSORIO relê textos filosóficos e de história da arte para pensar a contemporaneidade, começando por Kant. (p. 9) A filosofia de Kant é referência fundamental por ser o ato inaugural da estética moderna e da noção de crítica. (p. 10)


Crítica: fronteiras e interseções

A crise da crítica, tão falada atualmente, está relacionada, para OSORIO, com a "pulverização do público e ao sentimento de total desabrigo e desorientação diante da arte contemporânea". (p. 10)

A crítica está pressionada entre a desinformação geral e o isolamento provocado pela linguagem especializada, diz o autor. (p. 10) OSORIO relacionada a crise da crítica com a crise da política, ambas voltadas para o debate, pluralidade de vozes e o "vir a ser infinito da arte e do mundo." (p. 11)


"A crítica será vista aqui tanto como uma atividade específica dentro do circuito de arte que produz e dissemina sentidos para as obras, como também um exercício comum que põe as obras em questão ao pôr-se a si e ao mundo em questão." (p. 11)


O texto defende que toda recepção é uma forma de crítica, simultaneamente especializada e não-especializada, pois todos que visitam uma exposição de arte ou lêem uma crítica necessitam "julgar por si e avaliar a adequação entre sentimentos e palavras." (p. 11)

O autor pede o exercício do juízo e a liberdade de manifestação e dissenso para combater o anti-intelectualismo vigente dos que rejeitam a arte contemporânea diante da desorientação por ela provocada. (p.11 e 12.) "A crítica é a salvaguarda da desorientação." (p. 12)

O texto alerta para o que o autor entende como um falso dilema da arte: o de se adaptar à lógica do espetáculo ou se fechar da auto-referencialidade segregadora. (p. 12) Porém, é ultrapassando essa dicotomia "que a arte tem produzido seus melhores resultados." (p. 12) "O que se almeja para a crítica é que ela se reinvente como um canal de disseminação pública da arte e de suas questões mais urgentes." (p. 14)

OSORIO procura derrubar as idéias que o senso comum tem da crítica, tal como a de um artista frustrado que realiza um exercício de ressentimento ou a do teórico, "meio lunático, meio professor, que divaga na criação de sentidos mirabolantes para as obras analisadas". Tem também o político castrador que ajusta seu conhecimento livresco à obra. (p. 15) Deve-se pensar não em uma escrita sobre a obra e sim com as obras. (p. 16)

Outro aspecto que o texto trata de diferenciar é a confusão entre criticar e falar mal. Não que a crítica deva ser meramente apologética, "nem se neutralizar a veia mais contundente da crítica jornalística." (p. 16) […] "O intuito é alargar os modos de sua recepção." (p. 16) "Acrítica é escrita para o público, mas a serviço da arte." (p. 17) "O que se quer garantir é que a crítica esteja sempre atenta às transformações dos meios e das formas de arte, desconfiando das convenções e certezas adquiridas." (p. 17) "[…] há que se pensar a crítica deslocando-se da posição de juiz para a de testemunha." (p. 17)

OSORIO se apropria do termo do teórico Sarat Maharaj para dizer que a crítica é uma forma de deslocução das obras.


"Com isso quero dizer que a crítica procura dar-lhes uma outra voz e um outro lugar, ou seja, que ela deve assumir-se como um exercício explanatório, que vive uma experiência formal, uma invenção de linguagem e a transpõe ao texto de modo a deslocar-lhes os sentidos." (p. 18)


Porém, o autor alerta que não se trata de a crítica rivalizar com a obra. "São criações que se confundem e se potencializam." (p. 18)

O texto volta na história onde se funda o exercício da crítica, relendo o filósofo Kant. Ele trata da obra A crítica da faculdade do juízo, ou Terceira crítica, "onde se definiram, em grande parte, os termos da experiência moderna." (p. 19) OSORIO procura rever sua possível atualidade.


Crítica e estética em Kant: de volta ao começo.

"O aparecimento de uma atividade como a crítica no final do séc. XVIII dá-se a partir da superação de uma noção técnica da arte, da rejeição de uma poética enquanto normatização das práticas artísticas." (p. 22)


Então, "a experiência das obras vai se dar sempre em um território indefinido no qual se negociam os seus possíveis sentidos diante da indiferenciação da não-arte." (p. 22) "Para a experiência estética se efetuar não deve haver determinação do sujeito em relação ao objeto." (p. 22 e 23)


"A crítica de arte deixa de ser tomada no sentido normatizador que determinava o modo de ser das obras, e passa a ser um esforço reflexivo que busca qualificar uma experiência singular do mundo." (p. 24)


"Em Kant vemos a arte assumir sua autonomia enquanto experiência estética ao mesmo tempo em que começa a assumir sua indiferença 'poética' em relação à não-arte, ou seja, não vai ser pela especificidade dos seus procedimentos que a arte vai se definir. Na verdade, a impossibilidade de se definir o que seja arte passa a se tornar uma questão." (p. 25)


"O desinteresse que Kant sublinha no juízo estético, põe em xeque as perguntas 'por que' e 'como', no sentido de encontrar causas objetivas, que poderiam acompanhá-lo, restando para o sujeito apenas a admiração gratuita diante do fenômeno." (p. 28)


Se utilizando de Heidegger, OSORIO procura desfazer a incompreensão de Kant em relação ao desinteresse:


"O desinteresse seria para Heidegger justamente o que dá dignidade ao fenômeno, pois não o vincula a um interesse determinado pelo sujeito. Tanto os juízos teóricos quanto os práticos, o conhecimento e a moral, são movidos pelo interesse, que constrange o aparecer do fenômeno enquanto tal." (p. 28)


O autor também discute a autonomia do juízo estético como um ponto problemático e mal compreendido em Kant:


"Uma experiência autônoma significa apenas, e isto já é muito, que nada vai legitimar a arte de fora, mas isto não impede que ela esteja sempre ligada a um fora, apontando para além dela mesma, para um mundo em comum que é o território do sentido." (p. 31)


A arte como crítica e a crítica como arte.

Continuando a discutir Kant: "O vir-a-ser ada obra, que é o lugar da manifestação da verdade da arte, não se explica pelas intenções do artista, mas pela maneira como estas se transformam em obra." (p. 33)

Discute-se no texto o conceito de gênio em Kant: "O importante da descrição do gênio é a tensão entre a vontade do artista e a vontade da obra, entre a intenção e gratuidade, entre o ser arte e parecer natureza." (p. 33) "O ponto é pensar o ato criativo como uma intencionalidade sem intenção." (p. 33) "Se a criação for puramente intencional, ela é mero resultado de um saber fazer, de uma técnica." (p. 33)

Em seguida, OSORIO lista as quatro características fundamentais que Kant atribui ao gênio: "a originalidade, o exemplarismo, a autenticidade e um acordo secreto com as intenções da natureza." (p. 34)


"No artista, é a dialética originalidade-exemplarismo que deve ser enfrentada, e que pode ser traduzida enquanto uma compatibilização do dever de expressão para consigo mesmo com o anseio de comunicação frente ao público." (p. 36)


"Nesse movimento entre um 'eu' que pensa e um 'nós' que ajuíza, vai se formando o que Kant denomina gosto, que nada mais é do que a constituição de parâmetros de comparação. Ter um gosto é ter um quadro de referência a partir do qual cada um vai se habilitar a julgar." (p. 36 e 37)


OSORIO observa que para Kant o gosto não é uma faculdade produtiva, ou seja, não basta ter gosto para se tornar artista. O gosto é simplesmente uma faculdade de ajuizamento. E o autor vai além de Kant dizendo que o gosto não basta para se ajuizar as obras de arte, "sendo necessário uma disposição reflexiva, e até mesmo criativa, que ponha em movimento a imaginação, o entendimento e a sensibilidade." (p. 37) OSORIO conclui que a arte "só existe na medida em que é capaz de elaborar uma linguagem expressiva que crie significados e que ultrapasse a dimensão do gosto." (p. 38)


O lugar do juízo (e da crítica) na arte contemporânea

O texto defende que "podemos olhar os acontecimentos de fora, ou seja, desobrigados em relação às normas, aos resultados e as obrigações dos envolvidos no processo." (p. 43) Ele também desaprova a idéia de que só o produtor de arte tem condições de julgar a obra. (p. 43) Esclarece ainda que:


"Julgar é a capacidade propriamente humana de viver a diferença no meio do comum, em que a multiplicidade de sentidos pode gerar um mundo compartilhável sem se perder na relativização do cada um com seu sentido." (p. 45)


"Feito essas ressalvas, creio poder afirmar que a arte moderna e a contemporânea, ao assumirem positivamente a crise de uma tradição deixada sem testamento , em outras palavras, aceitando o fato de que tudo pode ser arte, sublinharam que só julgando cada obra na sua singularidade podemos decidir por sua validade." (p. 52)


A crítica genética e as transformações da arte.

"[…] a cada relação com as coisas, a cada vez que percebemos o mundo, levamos para a coisa percebida, sem imaginarmos, vivências, pensamentos, afetos, emoções, exemplos, imagens que estão entranhados em nossa memória e assim atravessam e informam a nossa percepção." (p. 54) "O viajante, o convalescente e a criança sabem das diferenças de tonalidade afetiva diante do mundo – o niilismo e o tédio são anestésicos impiedosos dessas diferenças." (p. 54)


"Deste modo, a arte é sempre algo aberto a tornar-se outra coisa, a inventar maneiras de ser distintas daquela que havia sido pensada pelo seu criador. Daí que a recepção da arte requer sempre algum tipo de exercício criativo, algum esforço interpretativo, alguma entrega espiritual." (p. 56)


Discute-se no texto a temporalidade das obras-processo que leva a discutir suas formas de exposição no museu e de recepção do público. (p. 58) Cabe, diz o autor, reivindicar formas de devir, e não permanência, para essas poéticas instáveis. "Aí é que entram os textos de artista, vídeos de performances, resíduos fotográficos, esboços, depoimentos, tomados como etapas que se articulam e se materializam em possibilidades poéticas." (p. 59)

O livro é concluído dizendo que "a arte não veio para explicar, ou para confirmar, nada, mas para nos fazer pensar e falar." (P. 64)



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quinta-feira, 8 de abril de 2010

Testamento

O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros - perdi-os...
Tive amores - esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.
 
Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.
 
Gosto muito de crianças:
Não tive um filho meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.
 
Criou-me, desde eu menino,
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!
 
Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!
 
29/01/1943
 
Bandeira, Manuel. Antologia Poética. 8 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio, 1976. p. 119
 

A Estrela

Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.
 
Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.
 
Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?
 
E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.
 
 
 Bandeira, Manuel. Antologia Poética. 8 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio, 1976. p. 110-111
 
 
 

Momento num café

Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.
 
Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta.
 
 Bandeira, Manuel. Antologia Poética. 8 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio, 1976. p. 93

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo

Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do manate exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo do bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.


Bandeira, Manuel. Antologia Poética. 8 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio, 1976. p. 63-64

sábado, 3 de abril de 2010

O fim da lavadora de roupas

Máquina de lavar roupas é coisa do passado. Gasta muito tempo, água e energia elétrica. Ou seja, não é nem um pouco "ecofriendly". Veja aqui o método revolucionário que inventei, passo a passo:

1.Pegue um par de meias sujo. É melhor treinar com uma peça de roupa simples. Depois você pode fazer o mesmo com uma jaqueta
2.Jogue um pouco de sabão em pó dentro da privada. É importante e higiênico puxar a descarga antes
3.Coloque a meia dentro da privada. Mexa um pouco para fazer espuma
4.Puxe a descarga duas vezes. Uma para lavar e outra para enxaguar. Importante: segure a meia firmemente para que ela não entre pelo encanamento
5.Prontinho. Em segundos as meias estão limpinhas
6.Agora é só torcer e pendurar para secar.
 
 

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Madrigal Melancólico

O que eu adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.
A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que já nela de fragilidade e de incerteza.
 
O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência.
Não é o teu espírito sutil,
Tão ágil, tão luminoso,
- Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.
 
O que eu adoro em ti,
Não é a tua graça musical,
Sucessiva e renovada a cada momento,
Graça aérea como o teu próprio pensamento,
Graça que perturba e que satisfaz.
 
O que eu adoro em ti,
Não é a mãe que já perdi,
Não é a irmã que já perdi,
E meu pai.
 
O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que eu adoro em ti - lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.
 
Manuel Bandeira
11 de julho de 1920
 
Bandeira, Manuel. Antologia Poética. 8 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio, 1976. p. 48-49

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